A Graça Da Coisa. Para Ler e Reler!

Nascida em Porto Alegre, esta leonina formada em Comunicação Social prendeu minha atenção durante um programa de entrevistas na TV. Publicou vários livros como poeta e em 1995 lançou seu primeiro livro de crônicas. Seu segundo livro de crônicas, Topless (L&PM, 1997), ganhou o Prêmio Açorianos de Literatura.

É autora de best-sellers sendo que dois deles (Divã e Feliz por Nada), se transformaram em peça teatral.
É colunista dos jornais Zero Hora e O Globo, além de colaborar para outras publicações.
Em A Graça da Coisa, temos a oportunidade de ler uma coletânea de 80 crônicas que falam sobre coisas corriqueiras do dia-a-dia. São textos que foram publicados no Zero Hora de Porto Alegre e O Globo do Rio, nos últimos anos. É, sem dúvida, um livro para ler e reler.

Para você matar a curiosidade, aí vai um pequeno trecho de uma das crônicas:

Barulhos Urbanos

Creio que eram seis horas da manhã. Reparei pelas frestas da cortina que o dia estava amanhecendo. O barulho era de tontear, algo de muito grave deveria ter acontecido para um helicóptero ficar parado bem em cima do meu edifício. Pior: ele parecia estar alinhado à minha janela. Aos poucos fui voltando do sono e disse a mim mesma: deve ter acontecido um assalto a banco, estão à procura de fugitivos. Mas o helicóptero, insistente, não voava para longe, parecia resoluto em não se deslocar. Desisti de voltar a dormir, não conseguiria. Levantei, fui até a sala, abri a porta de correr que dá para a sacada e olhei para o céu. Nada. Então, olhei para baixo e ali estava o helicóptero, estacionado num terreno descampado, ali diante dos meus olhos o helicóptero que não era helicóptero, e sim um equipa-mento de construção civil ligado na velocidade máxima, um trambolho que fazia um barulho idêntico ao de um helicóptero, e que continuaria a me servir de despertador nas manhãs seguintes. Se você é morador de uma grande cidade, também deve ter um helicóptero matinal entrando pelos ouvidos, ou uma bateria de escola de samba, ou uma turbina de avião, ou qualquer coisa excessivamente barulhenta que seja oriunda do que se chama obra. Metrópoles estão em constante construção. Aqui onde moro há essa obra bem em frente ao meu prédio, e outra bem ao lado, e duas logo atrás. Silêncio? Estamos em falta. Não há como reclamar para o bispo. Obras são efeitos colaterais do progresso. E o barulho faz parte do pacote, não se ergue um edifício aos sussurros. Então, como tenho escritório em casa, trabalho o dia inteiro com essa trilha sonora pouco romântica. Desde a manhã até o final da tarde, escrevo, escrevo, escrevo, e não ouço o toque dos meus dedos sobre o teclado, ele é abafado pelos motores de equipamentos pesados, caminhões despejando cimento, batidas de estacas, uma orquestra em permanente ensaio, e só resta adaptar-me, um dia o edifício onde moro também foi um esqueleto que não foi posto em pé quietinho. Sou uma escritora de apartamento, digo com o mesmo tom pejorativo que classificamos crianças de apartamento. Deveríamos estar cercados por jardins, margens de rio, praias abertas, mas vivemos confinados entre quatro paredes que de certa forma aleijam a inspiração. Escrever, lógico, me oferece várias oportunidades de fuga. Estou onde estou, fisicamente, mas também não estou: invento meu próprio lago, pátio, horizonte. Até que volto a ser atingida pela consciência do inevitável: não é o barulho do mar que escuto, nem o das folhas caindo nesse final de outono, e sim o de betoneiras, perfuratrizes, compactadores, rolos compressores. De poético, me restou apenas a chuva. Quando chove, a obra para. Quando chove, o helicóptero some. Quando chove, o silêncio me pisca o olho: “Aproveita a trégua e me escuta”.

E então, gostou? Espero que sim! Ler ainda é uma das melhores coisas para se viajar sem sair do lugar! Eu adoro!

Beijos!

Créditos das imagens

lpm-blog.com.br
Arqt. Gisela Bento Gonçalves
Formada em Arquitetura & Urbanismo é amante do Design, das Artes e da Decoração. Há mais de 15 anos está a frente da www.gokarquitetura.com.br
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